O Poder Público sempre foi o principal investidor na infraestrutura do país. Embora a
participação da iniciativa privada em obras de infraestrutura tenha crescido
exponencialmente nas últimas décadas, as empresas e a administração públicas ainda
respondem pela maior fatia do que foi investido no Brasil em infraestrutura. A partir daí
vamos tentar responder à pergunta do título sem a pretensão de esgotar o assunto, mas
compartilhando experiências na gestão de uma empresa de obras de infraestrutura nos
últimos quase 60 anos, em mais de 450 contratos.
O arcabouço jurídico que respalda as contratações de obras públicas no Brasil tem seu
primeiro registro mais significativo no Segundo Império, com a publicação do Decreto
2926/1862.
A análise dos 160 anos de legislação não é o foco deste artigo mas é seguro afirmar que
possuímos um sólido e consolidado arcabouço jurídico, inclusive com o aperfeiçoamento
representado pelas Leis que trataram exclusivamente das Concesssões (Lei 8987/95) e Parcerias
Público Privadas (Lei 11079/04).
No entanto, isso não evitou a escalada na judicialização dos processos licitatórios, especialmente
nos últimos 30 anos. Essa condição, associada à lentidão do nosso Sistema Judiciário, provocam
alongamentos de prazo dos empreendimentos, antes mesmo dos contratos assinados.
A judicialização atinge ainda, e cada vez mais, também a gestão dos contratos. Nossa estrutura
legal na área é robusta e também bastante complexa. Questões que antes eram resolvidas no
âmbito administrativo, nos últimos anos têm chegado com muito mais frequência aos tribunais.
Desnecessário enfatizar que, no mais das vezes, tais processos interrompem a fluidez dos
contratos implicando atrasos significativos.
Importante destacar outro aspecto relevante e relacionado à estrurura jurídica do nosso país.
O administrador público não é punido por omissão mas sim por eventual procedimento que gere
dúvida dos órgãos fiscalizadores, trazendo insegurança nas decisões que ele precisa tomar.
Se por um lado há robusta legislação para proteger o erário o que é essencial; não há qualquer
proteção à Pessoa Física do administrador público, caso sua decisão seja questionada. Há como
corrigir tal distorção e seus procedimentos são simples mas fogem do escopo deste artigo.
O cenário acima exposto não explica completamente a enorme dificuldade que o país enfrenta
na entrega de suas obras, desrespeitando sistematicamente os prazos contratuais inicialmente
considerados.
Refletindo sobre o tema e analisando o cenário da nossa atividade nos últimos quase 60 anos,
além do aspecto jurídico acima exposto, muitas outras variáveis contribuem para a distorção
apontada. Dentre essas variáveis, algumas se sobresaem como mais importantes.
1 – Planejamento Inadequado, insuficiente ou inexistente
1.1 – Planejamento do Contratante Público
Em plano inicial, é indispensável que o poder público obtenha e reserve os recursos
necessários à execução da obra. No que se refere aos recursos financeiros, é importante que
as medidas sejam de caráter dinâmico e acompanhadas de um fluxo cobrindo todo o
empreendimento, independentemente de quantos exercícios fiscais ou mandatos sejam
alcançados durante o prazo da obra.
Além dos recursos financeiros, o contratante deve esgotar todas as providências
preliminares, tais como, licenças ambientais, autorizações, aprovações, remanejamento de
interferências e tudo o mais que seja de sua responsabilidade. Caso o Projeto de engenharia
seja sua atribuição, que o mesmo esteja finalizado e fornecido em nível executivo. Estes
elementos já deveriam ser disponibilizados no momento da licitação para permitir que todos
os concorrentes pudessem elaborar a melhor proposta técnica possível, juntamente com sua
proposta comercial; e que essas propostas pudessem ser comparáveis.
No caso do Contratante público descuidar de algum dos itens acima abordados, o que ocorre
com frequência, certamente haverá impacto no andamento da obra e a primeira vítima será
o prazo contratual, dado que o descumprimento dessas obrigações ensejará interrupções no
andamento do contrato.
1.2 – Planejamento do contratado
A empresa contratada deve ter a responsabilidade de elaborar um orçamento realista e que
cubra efetivamente todos os seus custos diretos, custos indiretos, eventualidades, impostos
e lucro. A proposição de preços insuficientes será fatal para o cumprimento do prazo
contratual, conforme detalhado mais à frente (Preços Inexequíveis).
É fundamental que a contratada faça uma análise crítica do projeto de engenharia,
aprofundando análise obrigatória da fase licitatória. O esperado é que, nesta etapa, haja
apenas um refinamento de seu conhecimento para o planejamento definitivo da obra e que
qualquer complementação do projeto seja desenvolvida sem prejuízo do prazo contratual.
Caso contrário, o que é muito comum, serão necessárias alterações profundas de projeto o
que causará atrasos no cronograma de execução.
É mandatório que também analise o fluxo financeiro do empreendimento, preparando-se
para as obrigações decorrentes do andamento do contrato. A gestão eficiente do fluxo de
caixa da obra evitará conflitos com fornecedores que, caso ocorram, poderão prejudicar os
indispensáveis fornecimentos dos materiais e equipamentos para cumprimento do prazo
contrataual.
Por fim, o contratado deve fazer uma profunda análise na Matriz de Risco da obra. Verificar
o compartilhamento correto de responsabilidades, tais como detalhamento do projeto,
licenças de toda ordem, risco climático, risco geológico, eventos extremos, etc, etc.
2 – Contratação por preços inexequíveis
A ocorrência é tão comum que, desde a Lei 8666/93 foi criado um dispositivo para
desclassificar licitantes que propuzessem “preços inexequíveis”. No entanto, o
mecanismo legal existente, mesmo na legislação em vigor é inócuo e não resolve o
problema.
Daí, o inevitável e tão usual impacto desta variável nos atrasos. Com preços tão baixos
ocorre a asfixia financeira do contratado, implicando o abandono da obra ou sua
insolvência. A consequência final será a postergação do término da obra, com a
necessidade de nova licitação.
3 – Inadimplência irresponsável do cliente público
A consequência deste “status quo” é o encarecimento desnecessário das obras públicas,
gravando o contribuinte pela irresponsabilidade do administratdor público que não luta
contra essa prática.
A impontualidade tem um impacto agudo sobre os prazos de entrega, dado que, em
alguns casos, acaba levando a um “efeito cascata” comprometendo a cadeia de
fornecedores do contratado.
4 – Interrupção dos contratos nas mudanças de comando do cliente público
Outro fator extremamente relevante e comum que provoca os atrasos nas entregas das
obras públicas são as interrupções ocasionadas pelas mudanças de governo.
Muito frequentemente, quando a saudável alternância no poder acontece, o novo
administrador paralisa os empreendimentos em curso, com a justificatva de revisão nos
“Planos de Governo”.
Qualquer obra, por mais simples que seja, ao ser paralisada sofre uma sequência
destrutiva em todo o processo de produção: desmobilização de equipes com altíssimos
custos de quitação da mão de obra, quebra na cadeia de fornecedores de materiais e
equipamentos, risco de deterioração de sobras semi-acabadas, necessidade de
mobilização de equipes de segurança reforçadas, caducidade de licenças de todo tipo,
etc, etc. Os transtornos são, muitas vezes, incalculáveis.
É evidente que um programa de obras públicas mereceria ser tratado como política de
estado e não de governo. Somente assim seria possível evitar a prática perniciosa acima
exposta. E, obviamente, um prejuízo irrecuperável no prazo original de entrega.
CONCLUSÃO
O cumprimento dos prazos nos contratos de obras públicas é um preceito completamente
desmoralizado no Brasil. Há outras razões para tal. Porém, nossa intenção foi compartilhar
os principais motivos observados em nossa trajetória empresarial, nos quase 60 anos de
atividade no setor.
A realidade nos impõe um enorme desafio, mas temos que enfrentá-lo, dados os
gravíssimos problemas causados à Sociedade por esses atrasos.
se trata apenas de assegurar o direito a um transporte digno ou ao acesso à água
potável e ao tratamento de esgoto — condições mínimas de uma vida saudável. O
cumprimento dos prazos contratuais em obras públicas é, antes de tudo, um
compromisso de justiça social.
Cada adiamento representa meses ou anos em que a população continua privada de
escolas, hospitais, saneamento, mobilidade urbana, segurança e infraestrutura básica.
Trata-se de um duplo castigo ao cidadão brasileiro: de um lado, ele sustenta um dos
sistemas tributários mais pesados do mundo; de outro, vê seu dinheiro escorrer pelo ralo
da ineficiência, sem a devida contrapartida em serviços e equipamentos públicos.
Atrasar obras públicas é, portanto, mais que um problema de gestão: é um ato de
desrespeito coletivo, que amplia desigualdades e agrava a crise de confiança entre Estado
e sociedade. O contribuinte paga caro, mas recebe tarde — ou nunca. Essa distorção
precisa ser encarada com a gravidade que merece, pois sem prazos cumpridos não há
cidadania plena nem desenvolvimento sustentável.
Marco Botter
CEO da Telar Engenharia
Há mais de cinco décadas a Telar executa obras essenciais para o desenvolvimento de cidades do Brasil e da América Latina. Conheça a atuação da empresa em: telar.com.br
